22 de julho de 2010

Jornada dupla: a mulher com peitos de melões em meio a sacas de arroz.

Noite dura essa, viu! Acordei no espanto, não sei se era porque sonhava com aranhas, ou o Xico Sá me beijando no vagão de um trem de cargas. Nossa, noite dura mesmo!

Quando tenho esses sonhos malucos, uma sequência de acontecimentos infames, como meu filme surreal particular, geralmente acordo tomada de preguiça e tédio. O dia não realiza, sabe. As tarefas são executadas dentro das suas urgências, o tempo é cumprido tal qual se propunha, mas eu não existo nesse dia. Como disse uma poeta minha amiga, “deixo a alma no cabide”.

Essa relação com sonhos é algo bem constante pra mim. Desde pequena, essa sobrevida noturna sempre foi presente, causando até mesmo esse cansaço. As aventuras vividas nessa dimensão transportam para o corpo físico a sensação, embora às vezes a lembrança fique embaralhada. Teve uma vez que eu sonhava que me agachava pra mijar atrás de um arbusto. Forçava, forçava, e nada, não vinha o xixi. Até que olhei pra mim mesma, como se meus olhos fossem um espelho voltado pra dentro e disse: Acorde, você está dormindo! E acordei. Só que acordei em outro sonho, onde tudo era igualzinho a realidade. Estava deitada em minha cama, no meu quarto, já era de manhã. Levantei, fui até o banheiro, baixei as calçinhas e mijei. E depois de ter me aliviado, tomei banho, sai pro trabalho. Peguei o ônibus, cheguei no escritório, trabalhei até o meio dia, quando finalmente olhei para o relógio do computador e a tela havia desaparecido. Dei um salto, e no susto do sonho, acordei de verdade. E o mais engraçado (e óbvio), já era meio-dia e eu estava muito atrasada.

Nunca fiz terapia junguiana pra saber qual a conexão disso tudo. Acredito que esses escapes tem a ver com a vontade de certo modo, dar uma fugidinha mesmo. Uma escapadela da vida real. Sair da rotina, propor, causar. Essa noite, por exemplo, tudo começou quando encontrava um amigo que me pedia pra ajudá-lo a recuperar suas roupas na casa da ex-mulher. Cheguei na casa, e quando entrei, estava tomada de aranhas. Eram caranguejeiras peludas, que estavam no teto, no chão, nas paredes. Sai de dentro da casa para dizer pra ele que já era hora mesmo de se separar. Mas não havia mais amigo, não havia mais casa. De repente eu estava numa estrada com uma mala enorme pedindo carona. Nenhum carro parava, até que vi um trem numa estação. Corri até lá e embarquei clandestinamente em um vagão cheio de sacas de arroz. Escondi minha mala em baixo das sacas e me deitei rente ao chão, para que ninguém me visse. E eis que surge, nesse momento caótico, o cronista Xico Sá. Olhei pra ele com certo receio e perguntei se eu poderia ficar ali. Ele me disse sorrindo, que era tão clandestino quanto eu, e para ficar tranqüila, que logo chegaríamos na última estação. Fiquei pensando na minha cabeça de sonho, “o que esse homem está fazendo aqui, meu Deus?” Ele sorria e, atrás dos seus óculos fundo-de-garrafa, seus pequenos olhos maliciosos, me cobiçavam. Sim, porque chegou aquele momento indecente dos sonhos, onde percebemos que estamos nus. E além disso, o pior, meus seios pareciam dois melões assassinos. Estavam enormes, duros, inchados. Fechei os olhos (no sonho) e fingi que dormia. Ele não teve dúvidas. Me roubou um beijo. Dois, três, beijo de língua mesmo. Quando senti que seu corpo se avançava sobre o meu, esmagando meus peitões de sonho, acordei. Ufa!!! Transar com um desconhecido é coisa que pode acontecer com qualquer um. Mas já que era sonho (não desmerecendo o cronista), bem que poderia ser quem sabe... o Javier Barden.

Quando acordei hoje, já era tarde, a cabeça estava pesada, o corpo dolorido. Talvez tenha sido o reflexo de dormir nua, com um homem sobre mim, esmagada entre sacas de arroz, num trem em movimento. Me arrastei o dia todo, sem motivo aparente. Meu marido me perguntou porque eu estava desse jeito. Eu balancei a cabeça e disse apenas: noite difícil essa, só isso.