10 de janeiro de 2012

OFF LINE

Como diria Caetano, “você já ta pra lá de Marakech”. Em alto e bom som essa frase ecoou no pensamento dela, e o prazer de não proferi-la ficou registrado no seu meio sorriso, tipo Gioconda, esboçado diante da cara de interrogação que ele se encontrava naquele instante.  
Não queria responder, dizer que ele tinha sido a pessoa mais rasa que conhecera nos últimos anos. Ou melhor, que não conhecera, porque com ele era tudo tão superficial que era difícil saber ao certo quem (“de fato”) ele era.
A vingança é um bacalhau que se come frio, com o molho de tomate quente, temperado com muito azeite de oliva e azeitonas. E com uma boa taça de vinho verde para acompanhar. A vingança que não é cavada, mas aquela que acontece sozinha, por pura e simples justiça divina. É meu amigo, justiça divina. No amor vale tudo e poucas coisas podem ser julgadas. Mas ferir o coração de uma mulher de bom coração pode dar nó na tripas, unha encravada e cara de tacho no final das contas. E o final das contas, para casos de descasos amorosos, um dia chega, essa é a justiça.

Ela sequer esperava uma manifestação que viesse dele, afinal, tanto tempo se passou, ele andava lá sei onde e ela acabou se esquecendo que ele existia. Mas antes que se esquecesse de vez, deixou registrado que não o queria mais por perto em sua vida, e tomou uma atitude drástica: bloqueou-o no Facebook.
Para relacionamentos em tempos modernos era algo razoável a se considerar, mas ele levou tanto tempo pra perceber que estava bloqueado, que sequer poderia dizer que havia um relacionamento entre aqueles dois.

É difícil dizer quais são as medidas certas quando duas pessoas se envolvem. O que vai acabar temperando a história parece ser a mistura da química, com uma ou duas coisas em comum entre os relacionados. Porque só a química não une. Tampouco uma ou duas coisas em comum. Mas quando, “de fato”, um está envolvido, e esse um, tem uma personalidade mais pra cabeça na lua do que pra pé no chão, qualquer coisa pode ser alguma coisa. Isso seria o mea culpa que de certo modo, ela fazia sobre a questão, pois nunca houve mais do que um sanduíche as duas e pouca da manhã na lancheria do Estadão e uma trepada meia boca. Mas, ela tinha bom coração, e cultivou sentimentos por aquela criatura que não conseguia lhe dar mais do que um sanduíche e uma trepada meia boca. E repito: isso é uma mulher de bom coração!

Pouco lhe importava a rede social passado quase meio ano do bloqueio, pouco lhe importava quem ele andava levando pra comer na lancheria do Estadão, ele já era fato superado. Mas eis, que do nada ele surge, admirado por ter perdido uma amiga virtual. Só que já havia passado um quarto de ano pra reclamação, passou da validade, perdeu o trem do PROCON, não havia mais nada que pudesse ser dito. Se eu fosse ele, ela pensou, ficava bem quietinho. Não há coisa pior do que sapatear na merda. Mas essa cobrança por uma resposta, “por que me bloqueaste Dulcinea?”, era tão cheia de orgulho que dava pena. Não pena indulgente, mas aquela pena de quem não entendeu a piada, perdeu o lance da jogada, não viu o trio elétrico passar.

Os homens são criaturas previsíveis, só não os prevê mesmo mulheres apaixonadas. E sim, isso é uma declaração generalista, que sempre fez todo o sentido no frigir dos ovos. Homens são orgulhosos e retóricos. Mulheres são melodramáticas e vingativas. Se completam e se magoam. A união é como um cachorro correndo atrás do rabo. O que muda, de vez em vez, é quem é o rabo, e quem é o cachorro.

Ele não pediu mais respostas, ela não pensou mais no assunto, os dois nunca mais se encontraram, nem dentro, nem fora da rede. Ele não deixou de ser superficial, e ela não deixou de ser cabeça na lua. E no final das contas, o Facebook continua bombando.