4 de agosto de 2011

PACOTE FECHADO

Hoje eu encontrei um pacote de macarrão pela metade na despensa da cozinha. Ele estava fechado, muito bem fechado, como eu jamais o fecharia. Foi ele quem fechou o pacote deste jeito, eu sei. E lembrei-me de quando ele fez isso. Fechou com cuidado para que não fosse estragar depois. Ele sempre se preocupou em não deixar as coisas estragarem. Detestava desperdício.

Quando eu comprei esse macarrão foi para um jantar especial. Lembro que preparei com cogumelos e bacon, bem como ele gostava. Deixei que provasse o molho antes de servir na massa. Eu nunca deixava ele se aproximar enquanto eu estava cozinhando, detestava o seu olhar de aprovação em relação a minha mistura de temperos. Detestava qualquer olhar de aprovação que viesse dele.

Nesta noite ele estava muito animado, tão carinhoso. Eu lembro bem, ele me falou dos seus novos planos sobre o seu trabalho. Eu ouvi empolgada e pela primeira vez não julguei, não aconselhei, não emiti opinião. Não porque não as tivesse, eu simplesmente queria ouvi-lo. Estava apaixonada e isso me bastava. Ele estava lindo, sem nada de especial, se não a mesma barba por fazer, se não a mesma camiseta de ficar em casa, se não as mesmas músicas como trilha sonora de noite especial.

Antes desse jantar, antes desse macarrão, é como se não tivesse existido nenhum outro momento bom em nossa vida. Lembro de jantares em restaurantes nos finais de semana com os amigos. Lembro dos barzinhos, lembro dos amigos em casa, castanhas, vinhos, salgadinhos. Mas não me lembro de nada tão harmonioso quanto aquela noite, macarrão com cogumelos e bacon sem cebola. Ele detesta cebola. Ele também detesta discutir, detesta DR, detesta qualquer coisa que sugira desconforto, que lhe confronte, que lhe coloque em exposição. Eu tinha parado com isso. Já havia desistido de frases como “precisamos conversar” ou “estou cansada disto”. Tinha adotado uma postura branda, e não queria mais o papel de inquiridora da relação.

Eu lembro que depois do jantar tomamos uma garrafa de vinho a mais e conversamos na cozinha até ficar bêbados. A boca roxa, nos olhávamos como estranhos e tiramos nossas roupas como estranhos, nos tocamos como estranhos, gozamos como estranhos. E aquilo foi excitante, porque seguimos a noite inteira, mais e mais e mais. Mas, no outro dia quando acordamos no quarto iluminado pelo sol da janela escancarada, nos sentimos estranhos novamente e já não tinha mais o que fazer.

Na manhã seguinte ele fez questão de limpar os pratos que ainda estavam sobre a mesa. Recolheu o lixo e resolveu guardar o resto do macarrão que não usamos para o jantar. E sobrou esse pouco aqui, que agora está fechado, tão bem embalado que não tenho mais vontade de abrir... Porque me mata ver esse pacote fechado. Me mata pensar que vou prepará-lo para comer sozinha esta noite e que ele é uma testemunha do momento onde começamos a nos tornar estranhos. E no final das contas, me mata mesmo é saber que quando comprei este macarrão, jamais poderia pensar que ele duraria bem mais do que aquela noite especial, bem mais do que o meu próprio casamento. 



Em homenagem a uma grande amiga que conseguiu traduzir sua tristeza olhando a metade do pacote de macarrão que ele deixou na despensa. Espero que esse macarrão que sobrou seja feito com um novo amor!